A violência obstétrica é um fantasma na vida de muitas mulheres.
Segundo estudo realizado pela Pública, uma
em cada quatro brasileiras já sofreu com esse tipo de agressão. A violência não
é só o ato físico. A verbal pode ser grave e deixa marcas. Muitas mães não
denunciam ou até acham que abusos e agressões são normais.
Uma enfermeira que trabalha em Foz do Iguaçu, que preferiu não se identificar, conta que os profissionais que atuam em centros obstétricos comentam sobre a “fama”dos médicos. “As médicas mulheres são as mais estúpidas. Os obstetras são mais atenciosos e cuidadosos, mas também cometem alguns equívocos. Muita gente não está preparada para lidar com essas pessoas passando por esse tipo de dor, fazem o procedimento correto mas não sabem como tratar a gestante".
Uma enfermeira que trabalha em Foz do Iguaçu, que preferiu não se identificar, conta que os profissionais que atuam em centros obstétricos comentam sobre a “fama”dos médicos. “As médicas mulheres são as mais estúpidas. Os obstetras são mais atenciosos e cuidadosos, mas também cometem alguns equívocos. Muita gente não está preparada para lidar com essas pessoas passando por esse tipo de dor, fazem o procedimento correto mas não sabem como tratar a gestante".
Há números e casos que comprovam toda essa situação: de seis
entrevistadas para esta reportagem, apenas uma não sofreu nenhum tipo de
agressão. Acompanhe três dos casos mais marcantes.
Três gestações, três traumas
L.V foi submetida a três partos normais por plano de saúde. Teve
problemas para engravidar na primeira gestação e escutou de sua ginecologista
que se engravidasse perderia seu filho ou morreria. Em sua segunda gravidez,
aguentou os tons de deboche de uma auxiliar de enfermagem. “Imagina quando
estiver na hora do parto” foi o que ouviu quando estava com a cabeça de sua filha
coroando. Mas foi seu terceiro parto que a deixou com marcas físicas e
psicológicas.
“Quando cheguei no hospital, me perguntaram se queria ligar para
o meu médico. Avisaram que ele demoraria três horas para chegar. Como estava
com contrações fortes, preferi a médica que estava de plantão. Ela também
queria fazer meu parto em seu plantão, pois ganharia mais com isso. Para forçar
meu bebê a nascer, ela enfiou o fórceps várias vezes seguidas. Após minha segunda filha nascer, tive meu útero retirado do meu
corpo, costurado e colocado de volta, para conter uma hemorragia devido aos
inúmeros cortes. Quando meu médico soube do que aconteceu, deu socos na mesa do
seu consultório. Na semana seguinte, a médica foi denunciada ao Conselho Regional de
Medicina (CRM) e foi mandada embora do hospital em que fui atendida.”
Quartos coletivos do SUS
C.B é mãe de duas meninas, uma com 11 e outra com 13. Ambos os
partos (cesáreas) foram realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No texto a
seguir, ela conta como foi o parto da sua primeira filha.
“Tive um trabalho de parto normal, de 12 horas seguidas. Eu
havia ido ao hospital duas vezes no mesmo dia, o médico fez o toque e não havia
dilatação. Na terceira vez que eu fui ele concordou em fazer cesárea,
porque o trabalho de parto já tava demorando muito tempo. A parte clínica foi
tranquila, a equipe era completa. O problema todo começou depois da cirurgia.
Te mandam pra uma sala de recuperação da anestesia, e quando dá aproximadamente
três horas, que é o tempo de recuperação da anestesia, a enfermeira só verifica
se você tem sensibilidade nos pés e daí você já sai da sala direto pro quarto. Você passa em frente ao berçário, as suas pernas ainda estão
abertas (meio anestesiadas) e colocam o neném no meio. Aí os enfermeiros me
tiraram da maca e colocaram na cama, sem dar as 12 horas que o médico
recomenda. E dali você tem que se virar e contar muitas vezes com a
solidariedade das pessoas, porque no SUS os quartos são coletivos, então tinha
uma moça que havia tido parto normal e me auxiliou: eu dava de mamar pra minha
de um lado, e quando eu precisava trocar, ela que também havia tido uma filha,
de parto normal, levantava da cama dela e trocava a neném de lado pra mim. Até
mesmo me virar, era muito dolorido, muito difícil. Eu senti nos meus dois
pós-partos um desespero muito grande, talvez por causa da anestesia.”
Me esqueceram
Daiana F. Martins passou 24h em trabalho de parto. Ficou sozinha
no quarto com outras mães, sem direito a acompanhante. Foi esquecida na ducha
pela enfermeira durante 2h, e só saiu de lá porque outra gestante que estava em
pré-parto lhe ajudou. Quando já estava em trabalho de parto, pediu ajuda às
auxiliares de enfermagem que estavam jogando baralho em uma mesa ao seu lado. Foi acusada de tumultuar e assustar as outras mães que estavam
com ela. Quando o médico finalmente veio e foi examiná-la viu que o neném já
estava coroando. Para levantar da maca, ela tentou apoiar em uma das auxiliares
e escutou dela um “não me encosta”. Ouça a história completa:
Leis
Em junho de 2000, foi estabelecida a Portaria
n.º 569 que diz que “o acesso das gestantes e recém-nascidos a atendimento
digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto, puerpério e período
neonatal são direitos inalienáveis da cidadania”.
Em 2005, entrou em vigor a lei
n° 11.108, que obriga os sistemas de saúde (privados e SUS) a permitir a
presença de um acompanhante (indicado pela parturiente) durante o trabalho de
parto, no parto ou pós parto.
Cesariana
A cesárea é um procedimento mais rápido e mais rentável que o
parto normal para o profissional que realizará o procedimento. A imposição da
cesariana tem sido encarada como uma forma de violência. O risco de morrer
durante a operação é quase quatro vezes maior que no parto normal. O Brasil é o
campeão mundial nesse tipo de cirurgia (52%).
Muitos médicos manipulam e incentivam as gestantes a fazer este
procedimento no pré-natal. Conselhos de saúde e estudiosos chamam a atenção
para o fato de que o feto não possui "hora marcada" para nascer. O
corpo da mulher dá os sinais com contrações e o rompimento da bolsa, por isso,
a cesariana deveria ser uma medida de emergência e não um método usual.
Parto humanizado
A Rede Humaniza SUS (RHS) é uma rede social para pessoas que
estão interessadas em humanizar a gestão e o cuidado no Sistema Único de Saúde.
Em 2001, surgiu o Programa Nacional de Humanização do Atendimento Hospitalar
(PNHA)) que, em 2003, virou Política Nacional de Humanização (PNH). Essa
política incentiva e instrui seus profissionais para que eles possam atender os
pacientes com qualidade e respeito.
Assim como outros procedimentos, há o parto humanizado. Nele, as
gestantes são as protagonistas: escolhem a posição que desejam ter seu filho e
têm direito assegurado a um acompanhante em todas as fases (pré parto, parto e
pós parto). Esta ação visa garantir que a mulher não tenha seus direitos
(estabelecidos na Portaria
n.º 569) violados no sistema público de saúde.
Pesquisa realizada pela Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo com gestantes submetidas a partos na rede pública indicou que são essas as frases mais ouvidas durante o parto:
· Não chora que ano que vem você está aqui de novo (15%);
· Na hora de fazer não chorou/não chamou a mamãe, por que está chorando agora? (14%);
· Se gritar eu paro agora o que estou fazendo, não vou te atender (6%);
· Se ficar gritando vai fazer mal pro seu neném, seu neném vai nascer surdo (5%).




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