Por Alexandre Martins
Um paradisíaco mundo na fronteira com o Paraguai que encanta turistas e faz novos moradores
Quem
sobe os mais de 400 metros inclinados do “Morro da Santa” na pacata
cidade de Itaipulândia, ganha por recompensa uma paisagem paradisíaca.
Ao longe, os diversos tons de verde, ocre e amarelo formam uma massa de
retalhos da história do município. Mais à esquerda, a grandeza do Lago
de Itaipu e as calmas ondas esculpem com lividez a terra vermelha e
molhada que se mistura com a areia artificial na Praia de Jacutinga. Se
os olhos do observador forem bons, ele ainda poderá se assustar com a
facilidade que é ver as luzes atrativas da Usina de Itaipu, perdida
entre o mar de grãos cultivados e a mata costeira ao encharque
artificial.
Toda a gravura é cultuada por turistas e nativos. De
costas ao monumento de Deus para os homens, há um outro monumento,
edificado de homens para cultuar Deus. A mais de 1200 pés acima do
nível do mar está a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Fixada no ponto
mais alto da cidade, e inaugurada em 12 de outubro de 2000, a “Mãe”
abençoa a cidade com seus 26 metros de altura. Dentro da gigante e oca
imagem, romeiros e fieis fazem cultos missas e orações diárias. Um
horário especial é o das 18h. A oração de Maria, profetizada por
católicos do mundo todo, acontece dentro da própria Maria ao tranquilo
cantar de bem-te-vis, canarinhos e galinhas-d’angola. O odor é híbrido
de perfumes femininos, incenso e velas, muitas velas. Homens também
frequentam o espaço, mas parece que eles não costumam professar tanta
fé.
Descer a ladeira depois que se fez um tour pelo mausoléu é
ter pernas firmes e coragem. O caminho íngreme é inimigo assim como a
gravidade. Um tropeço é o suficiente para acabar no potreiro ao lado
fazendo companhia aos bois. Aliás, bovinocultura é um dos principais
negócios da terra.
Na contramão do turismo, os produtores da
cidadezinha se revezam entre criar porcos, vacas, pintos, peixes e
ovelhas. Há também muitos agricultores. O solo e o tempo bom são
excelentes aliados à plantação de milho, soja e, principalmente, fumo.
Descendo ainda mais o morro, o visitante dá de cara com um trevinho
pequeno e uma placa. “Stylus: eletros, móveis e eletrônicos”. Nada de
bem-vindo neste ponto, porque, na verdade, a gênese começou bem antes.
Do trevinho, pegando a direita e seguindo uns oito ou
nove quilômetros, chega-se a uma rotatória maior. Nesta sim há uma placa de 3m por um 0,5m
nove quilômetros, chega-se a uma rotatória maior. Nesta sim há uma
placa de 3m por um 0,5m dando boas vindas em português e espanhol.
Retomando o caminho, quem nunca foi a uma cidade pequena pode se
espantar com a facilidade que é a relação homem-animal. Uma criança
brinca com um bezerro solto enquanto um cão faz o mesmo e late
entusiasmado. O Caramuru é a segunda maior linha de Itaipulândia em
tamanho populacional, só perde para o Itavó, sub-sede do município. No
ar o cheiro é de ervilha fervida e vem de uma enorme fábrica de
alimentos que ali se instalou há alguns anos. O odor também é de
podridão, por conta da água parada e salobra nos açudes de dejetos
produzidos e tratados pela mesma empresa.
Vê-se uma pracinha,
ao lado de uma igreja. Como em toda cidadezinha, há crianças brincando e
se divertindo sem medo de assalto ou gangues à solta. Enquanto o
escorrega e o balanço dão carinho aos pequenos, os pais tomam um
chimarrão acostados no espaldear de um banco de madeira. “A gente não
tem medo não” comenta dona Rosa, costureira. “Eles brincam sozinhos aqui
até de noite e nunca aconteceu nada” revela com orgulho.
Mais a
frente, um pavilhão faz companhia a um prédio menor. No letreiro lê-se.
“Escola Municipal Dona Leopoldina”. A grade alta da instituição põe em
cheque a imagem de terna e serena que é a vila Caramuru. No ginásio,
rapazes jogam bola e falam palavrões. Nada muito diferente das outras
cidades do país.
A caminho do centro o transeunte fica ilhado
entre os infinitos hectares do milharal. Os toquinhos já fatiados vão
diminuindo e ganhando opacidade conforme a visão se distancia. Parece
que sol vai se pôr entre as espigas secas que sobraram no chão.
Calmaria urbana
Chegamos ao centro da cidade. É nos domingos que a perturbação é maior.
Jovens sem camisa e garotas de top e shorts tentam uma conversa no meio
do alto som que vem do fundo de um pick-up. Sob a sombra do Paço
Municipal Tancredo Neves estão outras panelinhas de adolescentes. Eles
levam uma toalha, salgadinhos e o tererê: mate gelado que até hoje não
se tem a verdade sobre sua existência. Gaúchos e argentinos ainda brigam
por isso.
O prédio da prefeitura é a peça mais atraente de
toda a extensão urbana. Um chafariz adorna a entrada do Paço e as
bandeiras do Brasil, Paraná e Itaipulândia chacoalham com força ao
mandar do vento. Os vidros das janelas dão ainda mais classe ao mausoléu
político que se tornou ferramenta de desejo de quase todo candidato em
uma eleição. E não é à toa. A cidade recebe a terceira maior renda em
royalties por mês, são US$ 610,5 mil, provindos do alagamento que deu
sede à Aparecidinha D’Oeste, antigo nome do município lindeiro.
A
história de Itaipulândia se confunde com a da Itaipu Binacional, maior
geradora de energia limpa do mundo e responsável pelo consumo de 20% dos
lares do Brasil. Para que a hidrelétrica pudesse ser realidade, era
necessário alagar parte do oeste paranaense, e Itacorá, na época
província de São Miguel do Iguaçu ficou como história embaixo d’água.
Hoje, a Estrela D’Oeste leva cravada no Hino Municipal o devaneio de
uma cidade “embalada num sonho abstrato”, o sonho da Itaipu Binacional, a
que outrora foi confundida com utopia, mas que tornou-se realidade e
apoderou ricamente a simples colônia de imigrantes que era Itaipulândia
na década de noventa.
“Nossas águas misturam-se ao verde
Ao azul e ao branco da paz
Que destacam em nossa bandeira
A história de um povo capaz”
Qualidade de vida
Mas
a atualidade nem faz questão de lembrar-se do passado. O município que
dista 360 quilômetros da capital quase nunca se faz dependente desta. A
cidade tem escolas municipais e duas estaduais. Postos de saúde,
atendimento gratuito e segurança 24 horas feita por policiais militares.
É comum ver um carro da Polícia Militar (PM) circulando pelas ruas da
cidade.
Mas Itaipulândia, assim como o Éden, tem sua maçãzinha
preciosa: o Parque Aquático Termal Lago de Itaipu atrai turistas de toda
a região e inclusive de fora do país. Mesmo incompleto, o
empreendimento já é notável pela grandeza dos tobogãs e pela ilusão
paradisíaca contemplada de dentro das cercas-vivas que tapam a visão
para os que estão do lado de fora.
Dona Divina Martins é
zeladora na Vigilância Sanitária do município. O departamento atende
toda a cidade, faz vistorias mensais e tem constante luta contra o
mosquito da dengue. Além de disponibilizar testes para HIV e HPV de
graça à população. Divina trabalha lá há quase dois anos, mas mora na
cidadezinha há pelos menos 13. “Não lembro se é 13 ou 14”, confessa. Ela
gosta de falar que veio do Paraguai com o marido e o filho pequeno com
“uma mão na frente e outra atrás” e que se não fosse pelo acolhimento da
cidade, não estaria com residência fixa, um bom emprego e filho na
faculdade. Para ela, não há lugar melhor para se viver:- Não conheço e duvido que exista. Quem mora uma vez aqui nunca mais quer saber
de qualquer outro lugar.