sexta-feira, 15 de maio de 2015

A MACONHA NA MEDICINA


A história do uso da Cannabis ou Maconha na medicina é antiga. Segundo Elisaldo Carlini, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid),  a maconha possui 66 canabinoides, substâncias de estrutura química peculiar que atuam em receptores do cérebro. Entre eles, o THC e o CBD que são estudados há mais tempo. De acordo com o professor do laboratório de neurobiologia e comportamento da Universidade de Brasília (UnB), Renato Malcher, os canabinoides têm capacidade de atuar em diferentes males e imitam substâncias produzidas pelo nosso próprio organismo. 

Talvez uma das situações mais relevantes que marcam a entrada da maconha no mercado farmacêutico foi a que aconteceu nos anos 90. Oficiais ingleses começaram a notar algo frequente acontecendo nos julgamentos de pessoas portando marijuana: um alto número de pacientes com esclerose múltipla justificavam o consumo alegando que a erva trazia relaxamento muscular e aliviava a dor. Em 1998, um comitê inglês de ciência e tecnologia encarregado de estudar o fenômeno, concluiu que a planta poderia dar origens a compostos de interesse médico.

Se, por um lado,  muitos pacientes seriam beneficiados pela regulamentação da maconha medicinal no Brasil, por outro, ainda há uma grande resistência social em torno da erva. A primeira coisa que vem à cabeça quando se fala em cannabis é um cigarro de maconha. Mas, quando o assunto é saúde, pensar só no baseado é o primeiro erro. Um exemplo que ilustra essa questão é a planta da papoula, que pode gerar tanto a heroína, droga ilícita, quanto a morfina, analgésico muito utilizado para controle de dores fortes. 

Usar maconha terapeuticamente, portanto, não tem relação com ficar entorpecido – mesmo os portadores de doenças que fumam o baseado afirmam que só o fazem por não haver outra alternativa. Mas, apesar de a prescrição medicinal não ter relação com o uso recreativo da droga, como fazem questão de frisar os especialistas, a liberação dos medicamentos pela Anvisa irá colaborar para quebrar o estigma sobre esse entorpecente e deve contribuir para o debate sobre a sua descriminalização.

Diversos cientistas e empresários foram consultados, e desse interesse surgiu uma das primeiras empresas de biotecnologia destinadas a gerar linhagens de Cannabis ricas em canabinoides específicos e testá-los em uso clinico. É um dos raros casos aonde a experiência dos pacientes guia a pesquisa científica.

Primeiras vendas

No Brasil, o laboratório Ipsen tem uma parceria com a empresa GW Pharmaceutical, detentora do Sativex, spray contendo THC e CBD. “Por isso, há planos de promover e distribuir o Sativex na América Latina”, afirma Mauricio de Souza, diretor médico do Ipsen. Por enquanto, a equipe trabalha em um dossiê regulatório antes de solicitar o registro à Anvisa.
Em 2010, Sativex, o primeiro extrato de Cannabis medicinal entra no mercado, comercializado pela Bayer e Novartis. Hoje, Sativex é aprovado para uso em 24 países, incluindo França, Alemanha, Itália e Austrália. Nos EUA, é vendido pela farmacêutica japonesa Otsuka, que levou o extrato a ensaios clínicos para esclerose múltipla e câncer. No começo desse ano, os EUA aprovaram o uso do antiepilético derivado de Cannabis, Epidiolex (99,9% CBD), para doenças órfãs como a síndrome de CDKL5 ou Dravet, por exemplo.

Existem diversas outras empresas de olho nesse mercado. Algumas delas, como a AbbVie americana ou a Valeant canadense, apostam em compostos sintéticos ao invés de extrair da planta. Os sintéticos dronabinol (Marinol) e nabilone (Cesamet) já são aprovados clinicamente para controle de náuseas e vômitos associados com quimioterapia. O Marional também foi aprovado para estimular o apetite em pacientes com HIV.

O sucesso desse tipo de tratamento tem sido limitado pelos efeitos colaterais (ansiedade e depressão) e tempo de efeito (leva-se cerca de uma hora para agir). Pensando nisso, a INSYS Therapeutics desenvolveu um composto líquido oral, de ação rápida e com menos efeitos colaterais, além de permitir uma flexibilidade maior na dosagem quando comparado com medicamentos em capsulas. A firma entrou com o pedido de aprovação no FDA, agência americana que regula o setor de alimentos e remédios, em agosto desse ano. A combinação de THC e CBD também pode ser controlada para otimizar um determinado efeito. O Sativex, por exemplo, contém altas concentrações dos dois reagentes em partes iguais. Baseando-se nessa prova de principio, algumas firmas desenvolveram plataformas para testar diversas combinações de canabinoides, na expectativa de amplificar o espectro de ação da Cannabis.

A corrida para testes clínicos dessas farmacêuticas tem, obviamente, um interesse comercial. É garantido pelo FDA sete anos de mercado exclusivo a quem demostrar efeitos positivos em ensaios clínicos controlados para doenças raras.

Dificuldades 

Em contraste com esse reconhecimento em certas circunstâncias médicas, nos Estados Unidos, a maconha é ainda classificada como substância controlada, ao lado da heroína e LSD, com potencial viciante e “sem uso clínico comprovado”. Obviamente isso complica o meio de campo, aumentando a burocracia e dificultando a logística na pesquisa acadêmica e em ensaios clínicos. Mesmo assim, já soma-se mais de 25 anos de evidências mostrando vantagens do uso medicinal da Cannabis. Infelizmente, a grande maioria dos estudos foi feita em modelos animais, sem validação em humanos, atrasando ainda mais o reconhecimento clínico.

Por Luisa Gomez

Fonte: G1, Sensiseeds


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