
A história do uso da Cannabis ou Maconha
na medicina é antiga. Segundo Elisaldo Carlini, professor
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor do Centro Brasileiro
de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), a maconha
possui 66 canabinoides, substâncias de estrutura química peculiar que atuam em
receptores do cérebro. Entre eles, o THC e o CBD que são estudados há mais tempo.
De acordo com o professor do laboratório de neurobiologia e comportamento da
Universidade de Brasília (UnB), Renato Malcher, os canabinoides têm capacidade
de atuar em diferentes males e imitam substâncias produzidas pelo nosso próprio
organismo.
Talvez uma das situações mais relevantes
que marcam a entrada da maconha no mercado farmacêutico foi a que aconteceu nos
anos 90. Oficiais ingleses começaram a notar algo frequente acontecendo nos
julgamentos de pessoas portando marijuana: um alto número de pacientes com
esclerose múltipla justificavam o consumo alegando que a erva trazia relaxamento
muscular e aliviava a dor. Em 1998, um comitê inglês de ciência e tecnologia
encarregado de estudar o fenômeno, concluiu que a planta poderia dar origens a
compostos de interesse médico.
Se, por um lado, muitos pacientes
seriam beneficiados pela regulamentação da maconha medicinal no Brasil, por
outro, ainda há uma grande resistência social em torno da erva. A primeira
coisa que vem à cabeça quando se fala em cannabis é um cigarro de maconha. Mas,
quando o assunto é saúde, pensar só no baseado é o primeiro erro. Um exemplo
que ilustra essa questão é a planta da papoula, que pode gerar tanto a heroína,
droga ilícita, quanto a morfina, analgésico muito utilizado para controle de
dores fortes.
Usar maconha terapeuticamente, portanto,
não tem relação com ficar entorpecido – mesmo os portadores de doenças que
fumam o baseado afirmam que só o fazem por não haver outra alternativa. Mas,
apesar de a prescrição medicinal não ter relação com o uso recreativo da droga,
como fazem questão de frisar os especialistas, a liberação dos medicamentos
pela Anvisa irá colaborar para quebrar o estigma sobre esse entorpecente e deve
contribuir para o debate sobre a sua descriminalização.
Diversos cientistas e empresários foram consultados,
e desse interesse surgiu uma das primeiras empresas de biotecnologia destinadas
a gerar linhagens de Cannabis ricas em canabinoides específicos e testá-los em
uso clinico. É um dos raros casos aonde a experiência dos pacientes guia a
pesquisa científica.
Primeiras vendas
No Brasil, o laboratório Ipsen tem uma
parceria com a empresa GW Pharmaceutical, detentora do Sativex, spray contendo
THC e CBD. “Por isso, há planos de promover e distribuir o Sativex na América
Latina”, afirma Mauricio de Souza, diretor médico do Ipsen. Por enquanto, a
equipe trabalha em um dossiê regulatório antes de solicitar o registro à
Anvisa.
Em 2010, Sativex, o primeiro extrato de
Cannabis medicinal entra no mercado, comercializado pela Bayer e Novartis.
Hoje, Sativex é aprovado para uso em 24 países, incluindo França, Alemanha,
Itália e Austrália. Nos EUA, é vendido pela farmacêutica japonesa Otsuka, que
levou o extrato a ensaios clínicos para esclerose múltipla e câncer. No começo
desse ano, os EUA aprovaram o uso do antiepilético derivado de Cannabis,
Epidiolex (99,9% CBD), para doenças órfãs como a síndrome de CDKL5 ou Dravet,
por exemplo.
Existem diversas outras empresas de olho
nesse mercado. Algumas delas, como a AbbVie americana ou a Valeant canadense,
apostam em compostos sintéticos ao invés de extrair da planta. Os sintéticos
dronabinol (Marinol) e nabilone (Cesamet) já são aprovados clinicamente para
controle de náuseas e vômitos associados com quimioterapia. O Marional também
foi aprovado para estimular o apetite em pacientes com HIV.
O sucesso desse tipo de tratamento tem
sido limitado pelos efeitos colaterais (ansiedade e depressão) e tempo de
efeito (leva-se cerca de uma hora para agir). Pensando nisso, a INSYS
Therapeutics desenvolveu um composto líquido oral, de ação rápida e com menos
efeitos colaterais, além de permitir uma flexibilidade maior na dosagem quando
comparado com medicamentos em capsulas. A firma entrou com o pedido de
aprovação no FDA, agência americana que regula o setor de alimentos e remédios,
em agosto desse ano. A combinação de THC e CBD também pode ser controlada para
otimizar um determinado efeito. O Sativex, por exemplo, contém altas
concentrações dos dois reagentes em partes iguais. Baseando-se nessa prova de
principio, algumas firmas desenvolveram plataformas para testar diversas
combinações de canabinoides, na expectativa de amplificar o espectro de ação da
Cannabis.
A corrida para testes clínicos dessas
farmacêuticas tem, obviamente, um interesse comercial. É garantido pelo FDA
sete anos de mercado exclusivo a quem demostrar efeitos positivos em ensaios
clínicos controlados para doenças raras.
Dificuldades
Em contraste com esse reconhecimento em
certas circunstâncias médicas, nos Estados Unidos, a maconha é ainda
classificada como substância controlada, ao lado da heroína e LSD, com
potencial viciante e “sem uso clínico comprovado”. Obviamente isso complica o
meio de campo, aumentando a burocracia e dificultando a logística na pesquisa
acadêmica e em ensaios clínicos. Mesmo assim, já soma-se mais de 25 anos de
evidências mostrando vantagens do uso medicinal da Cannabis. Infelizmente, a
grande maioria dos estudos foi feita em modelos animais, sem validação em
humanos, atrasando ainda mais o reconhecimento clínico.
Por Luisa Gomez
Fonte:
G1, Sensiseeds
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