terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Reconstrução de uma vida


Terça-feira, dia 11 de março. Conforme o horário combinado, 14h, eu estacionava o carro em frente ao endereço. Quem me recebeu, foi o vizinho dizendo que Cleiton José Boaventura, mora na casa dos fundos. Fui em direção à residência e lá estava ele abrindo o portãozinho verde escuro.

-Você é o campeão, então?

Foi a primeira pergunta que fiz a ele.  A resposta que obtive foi uma risada acanhada. Neste momento percebi que se tratava de alguém muito tímido, daqueles que a gente tem que “fisgar” para que ele entre em sintonia. Confesso, não foi fácil, porque as palavras não saíam facilmente da boca de meu interlocutor e, para que eu não ficasse sem nada substancial para relatar a você, meu caro leitor, agradeci intimamente a presença do amigo de Cleiton, Pablo Anastácio, que se encontrava no local.

Fui convidada a entrar na humilde residência de paredes nuas e brancas. A casa possui quatro pequenos cômodos: sala, quarto, cozinha e banheiro. Notei a porta do banheiro aberta, não tinha boxe. Entrei no quarto e percebi as roupas guardadas em caixas de papelão. Lá estavam Cleiton, Pablo e eu.  Enquanto Cleiton e eu nos sentávamos frente a frente em cadeiras de plástico verde, Pablo sentou-se na cama de solteiro. Antes de iniciar a entrevista propriamente dita, vi que ali tinha um computador e perguntei se ele usava algum programa especial, a resposta obtida foi esta:

 “_Eu comprei para usá-lo, mas não tenho condições de pagar para alguém programá-lo”.

Quem é Cleiton?

Cleiton tem 32 anos de idade. Nasceu em Curitiba no ano de 1981. Filho de pai caminhoneiro que viajava pelo Brasil. Ele e sua família, antes de virem a Foz do Iguaçu, foram parar na cidade de Pedras do Iguaçu. O pai faleceu no ano de 1989, foi quando sua mãe, junto com seu irmão, veio para a cidade de Foz do Iguaçu. Somente na metade do ano de 1990, Cleiton José desembarcou em Foz junto com sua irmã.

Aos 13 anos, sofreu um acidente na Avenida das Cataratas. Estava andando de bicicleta quando passou um quebra-molas e perdeu a direção.  Ao cair, bateu a cabeça no solo, foi encaminhado ao hospital, levou pontos e foi para casa. Depois desse acidente, seguiu a vida normalmente.

As consequências vieram somente um ano e meio depois. Ele não gosta de sair de casa, se recusa a usar bengala. Durante 15 anos ia somente à igreja. Vai ao mercado quando os amigos o acompanham, seu prato de todo dia é arroz e feijão, e às vezes bacon, não come muita carne nem legumes e verduras, porque não consegue selecioná-los, somente com os “olhos” dos amigos. Aprendeu a cozinhar e a limpar a casa com a mãe, porém, desde os 15 anos, Cleiton “deixou” de fazer parte da sociedade. Vive sozinho desde 2006, pois sua família não aceitava muito bem a vida de isolamento que sua limitação visual provocava.

“_Eu estava com 15 anos e, certa noite, caminhando pela rua, minha visão começou a         embaçar, a falhar, ela sumia e voltava, fiquei assustado, com medo de ficar cego na rua.  Senti que a visão reduziu pra 10% ou menos. Ao voltar para casa, falei para a minha mãe que  não estava mais conseguindo enxergar. Fui dormir e, quando acordei, só estava enxergando  vultos. Fui ao hospital e recebi o diagnóstico: descolamento de retina. Desde então, rezo e vou à igreja para pedir de volta a minha visão, pois não tenho condições de arcar com os custos de uma cirurgia e estou à espera de um milagre.”

                                       

O esporte

Há seis meses, descobriu no esporte um jeito de superar as dificuldades ou, pelo menos, esquecê-las por algumas horas. Ele começou a treinar Jiu-jitsu duas vezes na semana das 20h30min às 24h00min. No início, o período de tempo era menor, mas, devido a sua dedicação, o professor Pablo Anastácio, isso mesmo, o amigo presente no encontro faz parte de sua vida desde a infância e o incentivou a praticar o esporte, juntamente com outro companheiro, Marquinhos. Com poucos dias de prática foi presenteado com um quimono e fez questão de apontar, para que eu olhasse o uniforme de cor azul atrás de mim. E também um branco, este, diz ele, que é profissional. A saúde também melhorou, perdeu 18 quilos.

“_Eu era meio sedentário antes de treinar, ficava só em casa ouvindo música. Aí, o Marquinhos começou a me pressionar e o Pablo deu a ideia de que eu deveria começar a praticar o esporte. O Pablo me levou e me apresentou a luta”.



Volta por cima

A volta por cima está acontecendo aos poucos. Em apenas seis meses, foi campeão por duas vezes: Campeonato Interno Equipe Orions Nova União – Foz do Iguaçu e Campeonato Pan-americano 2013 CBJJE – São Paulo. Também conquistou um vice-campeonato no Rio Grande do Sul, na cidade de Gramado, para a seletiva do mundial de Jiu-jitsu de Abu Dhabi 2014. Ainda está em processo de superação. Nada fácil, mas aos poucos está conseguindo conviver com isso, tentando dar a volta por cima, através da luta, de Deus e da Igreja que frequenta, vem retomando, aos poucos, o contato social. Seu sonho é virar um competidor profissional e lutar nas “gringas”, porém o salário mínimo que recebe da Previdência Social não paga os custos das disputas aqui no Brasil. Até o momento tem conseguido competir por meio de ajuda de amigos e patrocinadores.

Ele quer competir, viver e sorrir. E quer muito, muito, que Deus o faça entender e decifrar o porquê do problema e, quem sabe um dia, voltar a enxergar.

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