sábado, 28 de novembro de 2015

A Estrela D’Oeste



Por Alexandre Martins


Um paradisíaco mundo na fronteira com o Paraguai que encanta turistas e faz novos moradores 


Quem sobe os mais de 400 metros inclinados do “Morro da Santa” na pacata cidade de Itaipulândia, ganha por recompensa uma paisagem paradisíaca. Ao longe, os diversos tons de verde, ocre e amarelo formam uma massa de retalhos da história do município. Mais à esquerda, a grandeza do Lago de Itaipu e as calmas ondas esculpem com lividez a terra vermelha e molhada que se mistura com a areia artificial na Praia de Jacutinga. Se os olhos do observador forem bons, ele ainda poderá se assustar com a facilidade que é ver as luzes atrativas da Usina de Itaipu, perdida entre o mar de grãos cultivados e a mata costeira ao encharque artificial. 

Toda a gravura é cultuada por turistas e nativos. De costas ao monumento de Deus para os homens, há um outro monumento, edificado de homens para cultuar Deus. A mais de 1200 pés acima do nível do mar está a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Fixada no ponto mais alto da cidade, e inaugurada em 12 de outubro de 2000, a “Mãe” abençoa a cidade com seus 26 metros de altura. Dentro da gigante e oca imagem, romeiros e fieis fazem cultos missas e orações diárias. Um horário especial é o das 18h. A oração de Maria, profetizada por católicos do mundo todo, acontece dentro da própria Maria ao tranquilo cantar de bem-te-vis, canarinhos e galinhas-d’angola. O odor é híbrido de perfumes femininos, incenso e velas, muitas velas. Homens também frequentam o espaço, mas parece que eles não costumam professar tanta fé. 

Descer a ladeira depois que se fez um tour pelo mausoléu é ter pernas firmes e coragem. O caminho íngreme é inimigo assim como a gravidade. Um tropeço é o suficiente para acabar no potreiro ao lado fazendo companhia aos bois. Aliás, bovinocultura é um dos principais negócios da terra.
Na contramão do turismo, os produtores da cidadezinha se revezam entre criar porcos, vacas, pintos, peixes e ovelhas. Há também muitos agricultores. O solo e o tempo bom são excelentes aliados à plantação de milho, soja e, principalmente, fumo. 

Descendo ainda mais o morro, o visitante dá de cara com um trevinho pequeno e uma placa. “Stylus: eletros, móveis e eletrônicos”. Nada de bem-vindo neste ponto, porque, na verdade, a gênese começou bem antes. Do trevinho, pegando a direita e seguindo uns oito ou
nove quilômetros, chega-se a uma rotatória maior. Nesta sim há uma placa de 3m por um 0,5m
nove quilômetros, chega-se a uma rotatória maior. Nesta sim há uma placa de 3m por um 0,5m dando boas vindas em português e espanhol. 

Retomando o caminho, quem nunca foi a uma cidade pequena pode se espantar com a facilidade que é a relação homem-animal. Uma criança brinca com um bezerro solto enquanto um cão faz o mesmo e late entusiasmado. O Caramuru é a segunda maior linha de Itaipulândia em tamanho populacional, só perde para o Itavó, sub-sede do município. No ar o cheiro é de ervilha fervida e vem de uma enorme fábrica de alimentos que ali se instalou há alguns anos. O odor também é de podridão, por conta da água parada e salobra nos açudes de dejetos produzidos e tratados pela mesma empresa.
Vê-se uma pracinha, ao lado de uma igreja. Como em toda cidadezinha, há crianças brincando e se divertindo sem medo de assalto ou gangues à solta. Enquanto o escorrega e o balanço dão carinho aos pequenos, os pais tomam um chimarrão acostados no espaldear de um banco de madeira. “A gente não tem medo não” comenta dona Rosa, costureira. “Eles brincam sozinhos aqui até de noite e nunca aconteceu nada” revela com orgulho. 

Mais a frente, um pavilhão faz companhia a um prédio menor. No letreiro lê-se. “Escola Municipal Dona Leopoldina”. A grade alta da instituição põe em cheque a imagem de terna e serena que é a vila Caramuru. No ginásio, rapazes jogam bola e falam palavrões. Nada muito diferente das outras cidades do país. 

A caminho do centro o transeunte fica ilhado entre os infinitos hectares do milharal. Os toquinhos já fatiados vão diminuindo e ganhando opacidade conforme a visão se distancia. Parece que sol vai se pôr entre as espigas secas que sobraram no chão.
Calmaria urbana 

Chegamos ao centro da cidade. É nos domingos que a perturbação é maior. Jovens sem camisa e garotas de top e shorts tentam uma conversa no meio do alto som que vem do fundo de um pick-up. Sob a sombra do Paço Municipal Tancredo Neves estão outras panelinhas de adolescentes. Eles levam uma toalha, salgadinhos e o tererê: mate gelado que até hoje não se tem a verdade sobre sua existência. Gaúchos e argentinos ainda brigam por isso. 

O prédio da prefeitura é a peça mais atraente de toda a extensão urbana. Um chafariz adorna a entrada do Paço e as bandeiras do Brasil, Paraná e Itaipulândia chacoalham com força ao mandar do vento. Os vidros das janelas dão ainda mais classe ao mausoléu político que se tornou ferramenta de desejo de quase todo candidato em uma eleição. E não é à toa. A cidade recebe a terceira maior renda em royalties por mês, são US$ 610,5 mil, provindos do alagamento que deu sede à Aparecidinha D’Oeste, antigo nome do município lindeiro. 

A história de Itaipulândia se confunde com a da Itaipu Binacional, maior geradora de energia limpa do mundo e responsável pelo consumo de 20% dos lares do Brasil. Para que a hidrelétrica pudesse ser realidade, era necessário alagar parte do oeste paranaense, e Itacorá, na época província de São Miguel do Iguaçu ficou como história embaixo d’água. 

Hoje, a Estrela D’Oeste leva cravada no Hino Municipal o devaneio de uma cidade “embalada num sonho abstrato”, o sonho da Itaipu Binacional, a que outrora foi confundida com utopia, mas que tornou-se realidade e apoderou ricamente a simples colônia de imigrantes que era Itaipulândia na década de noventa. 

“Nossas águas misturam-se ao verde
Ao azul e ao branco da paz
Que destacam em nossa bandeira
A história de um povo capaz” 

Qualidade de vida
Mas a atualidade nem faz questão de lembrar-se do passado. O município que dista 360 quilômetros da capital quase nunca se faz dependente desta. A cidade tem escolas municipais e duas estaduais. Postos de saúde, atendimento gratuito e segurança 24 horas feita por policiais militares. É comum ver um carro da Polícia Militar (PM) circulando pelas ruas da cidade. 

Mas Itaipulândia, assim como o Éden, tem sua maçãzinha preciosa: o Parque Aquático Termal Lago de Itaipu atrai turistas de toda a região e inclusive de fora do país. Mesmo incompleto, o empreendimento já é notável pela grandeza dos tobogãs e pela ilusão paradisíaca contemplada de dentro das cercas-vivas que tapam a visão para os que estão do lado de fora. 

Dona Divina Martins é zeladora na Vigilância Sanitária do município. O departamento atende toda a cidade, faz vistorias mensais e tem constante luta contra o mosquito da dengue. Além de disponibilizar testes para HIV e HPV de graça à população. Divina trabalha lá há quase dois anos, mas mora na cidadezinha há pelos menos 13. “Não lembro se é 13 ou 14”, confessa. Ela gosta de falar que veio do Paraguai com o marido e o filho pequeno com “uma mão na frente e outra atrás” e que se não fosse pelo acolhimento da cidade, não estaria com residência fixa, um bom emprego e filho na faculdade. Para ela, não há lugar melhor para se viver:- Não conheço e duvido que exista. Quem mora uma vez aqui nunca mais quer saber
de qualquer outro lugar.




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